domingo, 24 de abril de 2011

Perversão Sexual e Psicopatologias

A perversão é uma versão em direção ao pai – a palavra francesa perversion (‘perversão’) admite homofonia com père (‘pai’), vers (‘em direção a’) e version (‘versão’). O pai é um sintoma, a imagem do ser o redentor é o protótipo da pai-versão, na medida em que uma relação de filho com pai: o sadismo é para o pai, o masoquismo é para o filho. Deste modo, para Jacques Lacan, a Pai-versão é a sanção do fato de que Freud faz tudo se ater na função do pai. O amor que se endereça ao pai, assim tornando-o portador da castração, mas na medida em que são privados de mulher, os filhos amam o pai – a lei do amor é a pai-versão. O Édipo está ligado a um extremo pela identificação assassina e ao outro pela restauração e interiorização da autoridade do pai.
Quando a psicanálise tradicional explica que o professor é o pai, e o coronel também, e que a mãe é o pai, submete todo o desejo a uma determinação familiar que já não tem nada a ver com o campo social realmente investido pela libido. Não é preciso negar que haja uma sexualidade edipiana, uma heterossexualidade, uma homossexualidade edipiana, uma castração. Somos todos bissexuados, temos os dois sexos: o homem é justamente aquele em que a parte masculina domina estatisticamente e a mulher é a aquela em que a parte feminina domina estatisticamente, assim, a parte masculina de um homem pode comunicar com a parte feminina de uma mulher, mas também pode comunicar com a parte feminina de um outro homem, ou ainda com a parte masculina de outro homem. A capacidade para o conflito de que Freud falava, a oposição qualitativa entre homossexualidade e heterossexulidade é uma conseqüência do Édipo. O Édipo é a figura do triângulo papá-mamá-eu, constelação familiar
A missão da família é produzir neuróticos através da sua edipianização, daí a psicanálise querer curar a neurose, porque para ela a cura consiste numa conversa infinita, mas a única coisa que é incurável é a neurose em sua psicanálise interminável. As grandes neuroses ditas familiares parecem corresponder a falhas edipianas da função diferenciante: o fóbico já não é capaz de saber se é pai ou filho, o obcecado, se está morto ou vivo, o histérico se é morto ou mulher, sobre a dúvida obsessional e a histérica desenvolvida por Serge Laclaire em “O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia”. O esquizofrênico, portanto, está morto ou vivo, não ao mesmo tempo, é pai ou filho, não é bissexuado, nem interssexuado é trans- sexuado: o esquizo é o que escapa a todas as referências edipianas e familiares – nunca mais digo eu, nem papá-mamá; não se consegue uma avaliação correta da produção da esquizofrenia e seu caráter patológico e a sua relação com o esquizofrênico enquanto doente.
Ser doente é para o homem, viver uma vida diferente, mesmo no sentido biológico da palavra, a patologia é, enfim, uma forma diferente de vida, ou seja, as doenças são novos modos de vida. Um homem sadio, nas palavras de Georges Canguilhem em “O Normal e o Patológico” não foge diante dos problemas causados pelas alterações de seus hábitos – ele mede sua saúde pela capacidade de superar crises orgânicas e fisiológicas para instaurar uma nova ordem. Observa-se que os psiquiatras contemporâneos operaram na sua própria disciplina uma retificação e uma atualização dos conceitos de normal e patológico.
O médico não inventou a doença, mas separou os sintomas até então associados, constituiu um quadro clínico profundamente original. Pode acontecer dos doentes típicos darem seus nomes a doenças, mas, em geral, são os médicos: os nomes de Sade e Masoch servem para designar duas perversões básicas, apresentam quadros inigualáveis de sintomas e de signos. Krafft-Ebing deu o mérito a Masoch pela renovação de uma entidade clínica. A palavra doença não convém aqui. Em Sade e em Masoch, as palavras de ordem são abundantes, proferidas, respectivamente pelo libertino cruel ou pela mulher-carrasco, despótica. De um lado, o andrógino de Sade, feito da união incestuosa da filha com o pai, de outro lado, a figura masoquista hermafrodita (‘monstro’ biológico com os dois sexos). Trata-se uma exclusão negativa da mãe e uma inflação do pai, no sadismo, mas de uma exclusão do pai e um redobramento da mãe no masoquismo. Para Gilles Deleuze em “Sacher Masoch”, sadismo e masoquismo são agenciamentos que não se misturam, por isso questiona a perspectiva psicanalítica de Freud que, como um monstro semiológico, mal-formulado, apresenta-se como sadomasoquismo: o masoquismo um sadismo revirado e o sadismo um masoquismo projetado, mantendo a primazia do sadismo e da ‘pai-versão’.
É perverso e patológico que escolhe como objeto o mesmo que ele (o homossexual) ou os que travestem o seu corpo como o objeto de prazer? Contemporâneo de Freud, Krafft-Ebing em seu livro “Psicopatia Sexual”, definiu os perversos como criaturas mentalmente doentes, com vivência sexual ‘invertida’, conforme Elisabeth Roudinesco em “A Parte Obscura de Nós Mesmos: uma História de Nós Mesmos”. Sem ser definido na medicina psiquiátrica, o homossexual chegou a ser até catalogado como perverso por escolher seu semelhante como objeto de prazer. Os sexólogos do século XIX ao classificarem as perversões perceberam que a homossexualidade não pode ser atribuída ao mesmo status das outras perversões. Para sexólogos progressistas – Ulrichs, Westphal, Hirschfeld – ela não passa de uma orientação sexual, como as outras. Em suma, o homossexual não é um doente nem ontologicamente perverso, uma vez que ridiculariza as leis da procriação enfeitando-se com sinais da arte e da criatividade humana.
Um problema contemporâneo da homossexualidade, sem ser patológico ou perverso, está se organizando em torno de um significante muito complexo: a homofobia. Mais pela fobia, phóbos, medo em grego, do que pela orientação sexual em escolher alguém do mesmo sexo como parceiro. Se território deriva de terra e terrare (amedrontar), ‘um lugar onde as pessoas são expulsas pelo medo’, conforme Homi K. Bhabha em “O Local da Cultura”, esse terrorismo acaba por provocar gregarismo (formações de grupos, grupelhos, GLS) e espaços cada vez excludentes para que se possa conviver todo tipo de grupos, neste caso, os homossexuais. Por que essa paisagem do medo?

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